quarta-feira, 14 de março de 2012

O bom filho à casa torna

          Às vezes, quando estou sozinho pensando busco entender o significado da existência. Estou prestes a completar 35 anos, talvez, metade do meu tempo de vida já tenha passado. Se pensarmos o quão antigo é nosso universo, e seus bilhões de anos de existência, nossa vida é mais breve do que um piscar de olhos.

          Qual o significado da vida? Até hoje, procuro entender qual é o propósito de Deus para mim. Um mestre Zen disse a Miyamoto Musashi sama: "Deixe de perseguir folhas e galhos e siga em direção do tronco. Nada existe."

          De tempos em tempos, o ser humano tem a tendência de sentir sua vida sem significado. Uma concha de inércia o aprisiona. Se o indivíduo se deixar aprisionar, será mais um candidato a ter o mal que aflige tantas pessoas no mundo atual: a depressão.

          Esta concha de inércia estava me aprisionando, já fazia alguns meses. As coisas que antes me davam prazer, me deixavam deprimido. O treinamento, para mim tinha se tornado uma obrigação e não algo que deveria ser uma satisfação. Chegando a hora ir aos treinamentos, minha energia parecia ir baixando, e minha motivação caía. Precisei usar de medidas extremas para explodir essa concha de inércia.

          O mundo mudou muito nas últimas duas décadas, assim como o pensamento das pessoas e não canso de repetir: "-Estão cada vez mais acomodadas". O mundo do jovem parece que gira somente em torno das redes sociais da internet, quando não dos vícios e da auto-depreciação. O jovem desperdiça grande parte de sua vida, aprisionado em frente de um computador, interagindo com pessoas que nem sabe se são reais. Construindo idéias superficiais. Vivendo em um mundo ilusório que dificulta sua vivência social e familiar. Um dos motivos de presenciarmos tanta gente doente, mesmo com tantos recursos disponíveis. Doentes do corpo e da alma.

          Sou um homem nostáugico. Apesar de estudar o Zen, e tê-lo tomado como filosofia para polir a própria conduta. E de ver a todo instante o quanto o Zen adverte sobre manter a mente no presente. Sinceramente, não consigo deixar de pensar na minha juventude. Em 1992, quando tinha meus 15 anos de idade. Lembro de tudo o que passei no Caminho Marcial, até chegar aqui. Hoje, com meus 35 anos. Sem pensar em desistir de treinar. Dentro de mim deve existir um espírito daqueles guerreiros peregrinos que passavam a vida indo de província em província, buscando o auto-aprimoramento.

          Fiquei dois meses treinando sozinho em casa, orientando minha filha pelo Caminho. Minha única companheira de treinamento nesse tempo isolado. Tive muito tempo para refletir sobre diversos pontos de si mesmo enquanto praticante. Encontrando meios de quebrar a grossa casca de inércia que a tempos vinha se formando sobre mim. Enchendo minha mente de dúvidas sobre o significado da existência.

          Lembrando de quando tinha 15 anos. Um tempo que saia no meio da madrugada para participar dos treinamentos especiais no Dojo de Karatê. No tempo em que implorava pela autorização dos meus pais para poder participar desses treinos. Dos tempos que passava a tarde de domingo forjando armas na ferraria de meu avô. Fizesse chuva, frio, sol. Não havia intempérie que me impedisse de treinar. A única coisa que conseguiu me parar foi o acidente que sofri. Que me manteve afastado por quase meio ano.

          Então, eu, forjado no Karatê nessa forma espartana, não consigo ser tolerante com jovens que estão num Dojo só por recreação. Levando de barriga o treinamento. Que não tem o mínimo controle sobre a dor, sobre o cansaço. Não se esforçam para atingir a auto-superação. Intolerante com aqueles alunos que nem conhecem o gosto do próprio sangue, porém são arrogantes o bastante para se acharem invencíveis e donos da Suprema Verdade. Mais intolerante à falta de cobrança por parte de alguns professores que teorizam o Caminho, porém passam a mão na cabeça desses tipos de alunos que são maçãs podres contaminando os demais.

           Sou ortodoxo em dizer, que nos Dojo deveria haver um pouco mais de ética durante a admissão de um novo aluno. Quando este, após um tempo de prática não apresentasse um perfil condizente aos verdadeiros propósitos da Arte. Que fosse orientado pelo mestre a procurar um Caminho que se encaixasse dentro do seu perfil. Os dois lados ganham com essa atitude. Pois o aluno não fica acreditando na mentira de que é um praticante e vai buscar uma atividade pela qual tem vocação, e a Arte ganha por trabalhar com um grupo seleto de pessoas que tem um propósito mais elevado.

          Acredito e defendo a importância de um treinamento rigoroso para o desenvolvimento de um praticante sólido, aliado à espiritualidade. Pois a espiritualidade trás o refinamento necessário para ser uma pessoa melhor mesmo fora do Dojo. Um praticante sem espiritualidade é como aqueles chimpanzés que aparecem no Youtube quebrando tábuas ou lutando boxe.

          Porém, quando o treinamento é espiritualizado demais, se torna tedioso. O treinamento de uma arte marcial de origem guerreira acaba se transformando uma enfadonha reunião de pessoas que mais parecem hippies. Pois mesmo os monges das linhagens mais pacíficas, podemos acompanhar nos noticiários que trazem consigo um espírito militante e destemido. Atuando como linhas de frente em manifestações populares, muitos até sacrificando a própria vida em protesto. Deixando evidente que seguem "O CAMINHO DO MEIO". Esse importante equilibrio para nós praticantes, entre a Marcialidade e a Espiritualidade.

Voltando ao foco desta reflexão: os enigmas que o destino nos propõe.

          Estava com todas as forças, querendo sair desse momento de inércia. Então, não sei por qual enigmática do destino, comecei a encontrar todos os meus antigos companheiros de prática do Muay Thai. Começou pelo encontro com o Mestre, que havia mencionado em um tópico antigo. Depois fui encontrando um a um aqueles amigos que deram os primeiros passos dentro dessa modalidade de luta junto comigo em 1998.

Vindo exatamente de encontro com o que eu estava me preparando sozinho em casa. Minha vontade era de voltar ser um Kickboxer.  O destino parecia estar me dando um "empurrão" extra.


          Aquilo me deixou inquieto: Por que? Depois de tantos anos esses amigos que a tanto tempo eu não via, de repente começaram a cruzar pelo meu caminho? O que o destino queria me dizer com isso?

          Meu Mestre de Muay Thai (Célio Rodrigues), fazia algum tempo que tinha se aposentado da carreira profissional. Lutou diversas vezes, se sagrando e defendendo com êxito por diversas vezes o título de campeão mundial de Low Kicks. Lutou inclusive no K1 Cage Rage. Conquistou o título de campeão mundial de Muay Thai num evento realizado na Tailândia, modalidade qual se tornou Tri-campeão.

          Até onde eu sabia, o Mestre havia deixado de dar aulas. E dedicava-se agora à administrar uma empresa de segurança monitorada que havia montado em sociedade com seus irmãos.

          Eu tinha planos de voltar a praticar Muay Thai. Mas estava estudando um lugar onde eu me sentisse bem. Sou uma pessoa tímida. Procurava um lugar onde já tivessem pessoas conhecidas treinando. Assim eu me sentiria mais a vontade.
          Duas semanas atrás, num sábado, eu estava resolvendo alguns assuntos particulares no centro da cidade. E cheguei numa loja de materiais esportivos para comprar alguns equipamentos para a prática do Kickboxing. Saindo da loja, por conhecidência(?) encontrei meu Mestre de Muay Thai.

          Com muito respeito o cumprimentei. Meu mestre é uma pessoa bastante descontraída, e fora da academia ele age com uma amizade igual a qualquer outro. Nunca tivemos formalidades, apesar de sempre haver o respeito. Paramos para conversar, e ele me questionou como estavam os treinamentos? Respondi a ele que estava treinando em casa agora, e que me empenhava em polir a própria técnica dentro dos ensinamentos de Muay Thai que tive sob sua tutela.

          Então ele me disse que estava ministrando novamente aulas. E me convidou a treinar sob sua orientação. Passei a semana toda pensando sobre o assunto. Não porque tivesse dúvidas a respeito de treinar sob a tutela dele novamente. Mas, porque eu me senti envergonhado de voltar, pois, num intervalo de 10 anos desde que parei pela primeira vez de praticar, por um impecílio ou outro eu já havia voltado e saído 2 vezes. Isso para mim era uma situação incômoda, pois acreditava que tinha perdido por completo a confiança do Mestre.

          Mas, pensei: "O soldado não vence uma marcha de guerra sozinho. Mais vale dar um passo junto do grupo do que mil passos, isolado."

          Juntei fôlego e fui me inscrever. Cheguei na nova academia onde o Mestre está trabalhando. Não sei se ele notou minha presença. Pois estava trabalhando como personal para um aluno que treina em horário especial. E também fui discreto, observei o Mestre trabalhando e com uma reverência deixei o local ancioso para que o outro dia chegasse, pois seria meu retorno.

          Chegando na academia, tinham muitos carros em frente. Quando vi de longe, sinceramente exitei e me veio o pensamento: "Será que chego ou não?". Mas não deixei essa dúvida crescer dentro de mim. Simplesmente estacionei antes que um espírito de covardia alimentado por dúvida me fizesse desistir do objetivo já traçado.

          Na esquina da academia, vi o Mestre conversando com seu irmão. Me preparei para entrar discretamente e não incomodá-los. Porém, o irmão me viu e como era um antigo amigo meu, logo me chamou para cumprimentá-lo, demonstrando alegria em rever-me. O Mestre, ao me ver logo mostrou um sincero sorriso, dizendo: "O BOM FILHO A CASA TORNA".
         
          Fiz uma reverência ao Mestre e disse: "OBRIGADO MESTRE, POR ME ACEITAR NOVAMENTE COMO SEU ALUNO." - Ambos me responderam: "SEJA BEM VINDO EDUARDO LARA."

Visto novamente meu Yoroi, agora trazendo em seu conteúdo um Espírito de Guerreiro renovado. Meu Olho de Tigre retornou às órbitas. Vou empenhar toda minha dedicação!


SAWADEE, MESTRE CÉLIO RODRIGUES!



5 comentários:

Armando Inocentes disse...

A sabedoria - não confundir com conhecimento - diz "o bom filho a casa torna".
Sendo esta uma boa casa, é de saudar o regresso do bom filho.

Força Lara San...

Eduardo Lara disse...

Inocentes Sensei:

Estou sentindo minha energia recarregada neste retorno. Fiquei ainda mais motivado em ver que o mestre me recebeu de braços abertos.

Acredito que essas idas e vindas era o tempo de provações pelo qual eu precisava passar para se reencontrar como praticante.

Obrigado pelos votos de força.

Um grande abraço.

Amanda Alcantara - Jornalista, Karateka e Estudante de Educação Física disse...

Percebo que de toda esta leitura apenas uma coisa me chamou atenção: "O treinamento, para mim tinha se tornado uma obrigação e não algo que deveria ser uma satisfação. Chegando a hora ir aos treinamentos, minha energia parecia ir baixando, e minha motivação caía." Senti-me assim por muitos meses no lugar onde treinava e agora que me afastei percebo que foi necessário o afastamento para eu entender o sentido da minha vida. Não o sentido que eu quero dar para esta vida, mas o sentido que DEUS pode me proporcionar se eu souber a hora certa de falar e calar, de agir e de sossegar, mas em meio a tudo isso, jamais parar e me acomodar... A concha de inércia me parece acontecer qdo estamos insatisfeitos com algo ou alguém que perpassa nossos caminhos. Pelo que eu me lembro, você é um bom filho, pois é perceptível que tudo o que vc faz tem muito respeito, amor e dedicação, mas não com os outros e sim consigo mesmo e é isso que importa. Tenha força Eduardo para trilhar o seu caminho, seja ele qual for, esteja a sua missão onde estiver... TENHA MUITA FORÇA, pois as recompensas hão de vir. O sentido da vida é muito mais do que aquilo que podemos enxergar e sentir... tudo o que enxergamos ou sentimos ainda é muito pouco perto do que é a vida de verdade.
OSS!!!!

Eduardo Lara disse...

OSS Amanda san.

Um grande abraço

Armando Inocentes disse...

O bom filho voltou a casa mas estamos sentindo a sua falta. Pegue na "pena", na inspiração e vamos por aí fora...